26 de outubro de 2005

Actualidades

" Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e
sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos
de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de
dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz
de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se
lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo,
(...)
que sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)

Uma burguesia, cí­vica e politicamente corrupta ate à medula, não
descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem
carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam
na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a
veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao
roubo, donde provém que na politica portuguesa sucedam, entre a
indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosí­meis
no Limoeiro (...)

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este
criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto
pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herançaa, pelo
primeiro que sai dum ventre, "como da roda duma lotaria".

A justiça ao arbí­trio da Politica, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e
pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao
outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo,
apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, "de não
caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"

Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896

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