29 de outubro de 2005

A Cohabitação ideal

As recentes declarações dos arautos da direita, com o notório embaraço da direcção do PS, assim como o comportamento dúbio de alguns meios Cavaquistas, vem pondo à mostra uma estratégia que foi traçaada a longo prazo pelas forças do capital nacional e internacional para determinar "as regras do jogo" a impôr a Portugal e aos portugueses para os próximos tempos.
A asfixia económica, o crescimento do desemprego, o regresso do medo para impor as polí­ticas reaccionárias que sempre estiveram presentes nestes últimos anos de "liberdades condicionadas" são meios utilizados subtilmente por uma burguesia corrupta qua nunca deixou as rédeas do poder.
A propósito das Presidenciais ocorre-nos lembrar o papel que o partido dito socialista tem tido na nossa história mais recente. Sempre que o movimento popular abraçou os caminhos mais radicais os socialistas deram as mãos à direita trauliteira para "salvar a pátria do perigo vermelho".
Neste contexto é fácil perceber que para Sócrates é mais fácil governar com Cavaco em Belém. Esta é a verdadeira razão pela qual o partido dito socialista não tem um candidato forte. Não lhe interessa. Mário Soares foi empurrado para se queimar e quando Manuel Alegre avançou foi outra benção para a direcção do PS já que assim acaba-se com a pouca resistência interna às polí­ticas de direita da pandilha Socratiana.

A propaganda oficial do governo, com o apoio dos partidos da direita, tem-se desmultiplicado para destacar as grandes operações policiais contra o branqueamento de capitais. Como a justiça não funciona é previsí­vel que os tubarões não sejam incomodados e tudo fica como dantes.
Será assim fácil, perante uma sociedade enfraquecida e doente, impôr o novo figurino: Um Presidente dito social-democrata (independente!) e que nunca se engana cohabitando com um governo dito de esquerda com práticas de direita. Aliás basta ver onde o senhor primeiro-ministro se iniciou na política para perceber o seu ideário.

26 de outubro de 2005

Actualidades

" Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e
sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos
de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de
dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz
de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se
lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo,
(...)
que sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)

Uma burguesia, cí­vica e politicamente corrupta ate à medula, não
descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem
carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam
na vida publica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a
veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao
roubo, donde provém que na politica portuguesa sucedam, entre a
indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosí­meis
no Limoeiro (...)

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este
criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto
pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herançaa, pelo
primeiro que sai dum ventre, "como da roda duma lotaria".

A justiça ao arbí­trio da Politica, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e
pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao
outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgando e fundindo,
apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, "de não
caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"

Guerra Junqueiro, in "Pátria", escrito em 1896

8 de outubro de 2005

Como te percebo bem Jorge de Sena

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.
Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.
Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
À luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra museu
em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
À terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. À cabra, À badalhoca,
À mais que cachorra pelo cio,
À peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não

Jorge de Sena