3 de agosto de 2023

Jornalismo com pouca investigação?

Fui surpreendido por uma notícia do "Público" nestes dias de grande movimento editorial, televisional, papal, etc...


 



 
Talvez por falta de tempo os senhores e senhora jornalistas não se deram ao trabalho de investigar o teor do "insulto" feito na altura pelo deputado da UDP Américo Duarte.
Aqui fica o extrato da intervenção que não foi um insulto mas sim uma acusação política baseada em provas:

 "O Sr. Américo Duarte (UDP): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Américo Duarte: - Sr. Presidente ...

O Sr. Presidente: - Desculpe interromper. É só para dizer que neste momento agradecia que se cingisse ao problema da composição e actuação da Comissão de Verificação de Poderes.

O Sr. Américo Duarte: - É exactamente sobre esse ponto da ordem de trabalhos que eu me vou pronunciar.

O Sr. Presidente: - Muito bem!

O Sr. Américo Duarte: - Sr. Presidente, Srs. Deputados.

Pensamos ser breves na apresentação das propostas que queremos pôr á discussão desta Assembleia Constituinte, dentro deste ponto da ordem de trabalhos que diz respeito à composição e actuação da Comissão de Verificação de Poderes.

A missão desta Constituinte é elaborar uma Constituição que deite pela porta fora a que vigorava no tempo do terror fascista. Temos, portanto, por dever para com todo o povo português, de elaborar uma Constituição democrática que garanta toda a liberdade para o povo se organizar e lutar, e que retire todas as liberdades aos fascistas. Temos de acabar com a anterior Constituição fascista.

A nossa primeira questão diz respeito à constituição da Comissão de Verificação de Poderes. A UDP considera este assunto da máxima importância. Pensamos que o trabalho dessa Comissão não se pode restringir a ver se o Sr. Deputado tal ou tal é ele próprio ou não, se o cartão de identidade está em ordem ou não. Essa Comissão, seguindo o princípio de que a nossa tarefa deve ser enterrar a Constituição fascista e construir uma antifascista, deverá verificar se entre os Deputados aqui presentes existem elementos responsáveis na elaboração da legislação fascista das anteriores Assembleias Nacionais do anterior regime ou responsáveis por actividades fascistas.

É neste sentido que uma das propostas que pomos à vossa consideração define que a actuação da Comissão de Verificação de Poderes deverá ser a verificação da responsabilidade que todos os Deputados que ontem se sentaram na antiga Assembleia fascista e hoje estão aqui sentados tiveram na feitura de leis fascistas.

Outra proposta define que não possam ser eleitos para essa Comissão todos os Deputados que tenham pertencido a qualquer das Assembleia Nacionais fascistas.

E por que é que fazemos esta proposta?

O povo português tem os olhos postos nestas Assembleia. Espera que dê amplas liberdades ao povo, de forma que este possa arrancar, som qualquer empecilho, no esmagamento total da fera fascista, que impeça os fascistas de se organizarem em partidos, que imponha as penas mais severas para todos os que participaram na repressão fascista e que colaborem em golpes fascistas.

Por outro lado, a UDP tem afirmado claramente que estão aqui nesta Assembleia partidos fascistas, ou que se acoitam fascistas no seu seio, contra os quais já várias vezes o ,povo se manifestou.

Foi a partir deste facto que tentámos investigar a actividade política de alguns Deputados desta Assembleia, principalmente, daqueles para quem esta Casa não é nova, pois já aqui estiveram sentados no tempo do fascismo.

Se o Sr. Presidente e esta Assembleia me dão licença, passo a ler alguns parágrafos de uma comunicação do fascista Marcelo Caetano à Assembleia fascista, transcrita no n.º 138 do Diário das Sessões, p. 2790, de 16 de Novembro de 1971:

É um facto notório, mais uma vez reconhecido pela Assembleia Nacional, que, desde 1961, em alguns distritos de Angola e posteriormente em Moçambique e na Guiné se têm produzido actos de subversão.

Tal situação obrigou a reforçar nesses territórios as forças de segurança e a enquadrá-las por unidades dos três ramos das forças armadas, que, de há dez anos para cá, em consequência de severa mobilização de esforços nacionais, vigiam e combatem para assegurar às populações o sossego por elas desejado no seio da Pátria Portuguesa.

Os actos de subversão ocorrem unicamente junto de fronteiras com territórios estrangeiros, donde são inspirados e alimentados. Em quase toda a extensão dos territórios das nossas províncias reina a paz, e a vida processa-se em inteira normalidade, e até com um surto impressionante e espectacular de progresso económico e de bem-estar social.


E mais adiante:

... o facto de a subversão ser estimulada por países estrangeiros e apoiada fortemente por certas organizações internacionais e por partidos ex-tremistas obriga a vigilância constante em todo o território nacional, sem excluir a metrópole, onde têm sido praticados ou tentados actos de terrorismo tendentes a enfraquecer a vontade de resistência ou a diminuir o potencial de defesa. Nestas condições, o Governo carece de continuar habilitado a, dentro da legalidade, adaptar as providências necessárias para reprimir a subversão e prevenir a sua extensão.

Embora o reconhecimento dos pressupostos dessa habilitação possa considerar-se mais de uma vez feito pela Assembleia Nacional, julga o Governo conveniente que, com a entrada em vigor da Lei n.º 3/71, de 16 de Agosto, a Assembleia formalmente, nos termos e para os efeitos do § 6.º do artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa, se pronuncie sobre a existência e a gravidade da sublevação que afecta algumas partes do território nacional, gravidade que se acentuará, sobretudo, se não puder ser atalhada e reprimida como convém aos interesses dos povos que as habitam - que o mesmo é dizer - da Nação Portuguesa. Esta comunicação não nos admira, dirão os Srs. Deputados, todos nós sabemos que Marcelo Caetano era um fascista. E é verdade. Mas se lemos alguns passos da comunicação é porque na sessão seguinte foi feita uma proposta, depois aprovada, que dizia:

A Assembleia Nacional, nos termos e para os efeitos do disposto no § 6.º do artigo 109.º da Constituição Política, reconhece que persiste a ocorrência de actos subversivos graves em algumas partes do território nacional.

E o que talvez venha a admirar alguns é que essa proposta foi apresentada à mesa por um grupo de Deputados fascistas entre os quais se encontra o nome de João Bosco Soares Mota Amaral, conforme consta na p. 2801 do Diário das Sessões, de 19 de Novembro de 1971.
E este senhor está aqui nesta Assembleia como Deputado do Partido Popular Democrático. Como será possível o Sr. Mota Amaral vir agora nesta Assembleia participar na elaboração de uma Constituição antifascista, quando em 1971 afirmava que existiam actos subversivos em algumas partes do território nacional?
Esses actos subversivos a que o Sr. Mota Amaral se referia o que eram?
Era a justa luta dos povos ,irmãos das colónias contra o domínio imperialista e colonialista português pela sua independência nacional.
Era a justa luta que os povos de Moçambique, Angola, Guiné e Cabo Verde travavam de armas na mão, pela sua liberdade, para poderem tornar-se senhores dos destinos, sacrificando os seus melhores filhos numa guerra que lhes era movida para continuar a sua exploração e a rapina das suas riquezas naturais. Era a justa luta do povo português contra a tirania fascista, a exploração desenfreada, a miséria do povo, contra a criminosa guerra colonial.
A UDP apresenta aqui esta questão, porque não transige nem colabora com fascistas. O caso que aqui apresentamos nem sequer é o de um simples colaboracionista. Não. É o de um verbo de encher que se sentou na Assembleia para aquecer as suas cadeiras e, na Assembleia fascista, uma vez ou outra levantou o braço para votar traindo todo o povo. Não, o Sr. Mota Amaral foi mais do que isso. Foi um dos principais responsáveis por a Assembleia fascista ter dado plenos poderes ao Governo de Marcelo para atalhar e reprimir, como diz a comunicação, o povo português e os povos das colónias. E que é que significou dar plenos poderes ao Governo fascista para atalhar e reprimir?
Significou o Governo fascista poder legalmente prender, torturar, assassinar nas masmorras da sangrenta Pide os melhores combatentes do nosso povo que se encontravam na frente das lutas pela liberdade, pelo pão, pela paz.
Significou o Governo fascista poder enviar legalmente as suas bestas de choque, os PSPs, e GNRs contra as manifestações populares, as greves operárias e as lutas dos camponeses. Significou o Governo fascista poder legalmente incrementar a guerra colonial de assassínio dos povos irmãos das colónias, nossos grandes aliados e que mais directamente contribuíram para o derrube da ditadura fascista.
Srs. Deputados: Os antifascistas, os revolucionários, os povos das colónias não se esqueceram de quem é o Sr. Mota Amaral. Todos sentimos bem na carne o que foi o aumento da repressão fascista a partir de fins de 1971, com a força redobrada que o Governo de Marcelo tinha depois da resolução que o Sr. Mota Amaral propôs. E a voz dos mortos na guerra colonial assassina e de todos os que foram reprimidos e martirizados pelo Governo fascista, apoiado nessa proposta, não se apaga com uma simples passagem de esponja. Não chegou o Sr. Mota Amaral dizer-se agora «democrata. Depois do 25 de Abril já vimos muitos camaleões mudarem de cor conforme as conveniências e ainda não nos esquecemos do 28 de Setembro e do 11 de Março. Este senhor foi um destacado elemento fascista, que propôs o aumento da repressão sobre os povos coloniais e povo português. Este senhor foi um elemento de vanguarda do fascismo. Este senhor foi o porta-voz na Assembleia fascista de Marcelo Caetano. A UDP pergunta: que leis vamos nós aqui fazer contra o fascismo? Que legislação vamos propor para os tribunais que irão julgar os fascistas, os pides, os legionários, quando aqui nesta Assembleia está pelo menos um destacado fascista que passou um cheque em branco ao Governo de Marcelo para dar as ordens aos pides, aos bufos, aos legionários, etc.? Então vamos julgar e condenar os executores da repressão fascista e pôr as que antes lhes davam ordens a fazer a Constituição antifascista?
Srs. Deputados, foram estes factos de extrema gravidade que nos levaram a fazer as propostas que agora apresentamos. As quais, e por dever para com o povo português, juntamos a de que esta Assembleia não reconheça o Sr. João Borco Soares Mota Amaral como Deputado. Certamente que depois do que aqui afirmámos muitas vozes se levantarão nesta sala a dizer que esse senhor foi eleito pelo povo. Mas a UDP pergunta: o povo português sabia destes factos chie acabamos de relatar?
O povo português sabia que esse senhor tinha sido o proponente de que fossem dados plenos poderes ao Governo de Marcelo para reprimir o povo?

O povo português não votou em normas. Votou naquilo que os partidos diziam.
O Partido Popular Democrático informou o povo português que um dos seus candidatos tinha sido um destacado e importante elemento fascista?
Os órgãos de informação transcreveram estes factos que aqui apontamos, e que esperamos que amanhã transcrevam, para que o povo estivesse esclarecido?
O povo português nunca se interessou pelo que se passava na Assembleia fascista. E sabia que essa Assembleia era fascista.
Srs. Deputados: Pelos dados e tempo de que dispomos só pudemos investigar sobre este caso. Haverá com certeza outros casos sobre os quais pedimos que seja a Comissão de Verificação a estudar e a apresentar a esta Assembleia, para depois nos pronunciarmos. Por exemplo, apresentamos as posições de repúdio que em várias manifestações o povo tem tomado contra o Sr. Deputado Galvão de Melo. E apontamos as variadíssimas posições que esse senhor tem tomado publicamente como dizendo que a Ditadura Portuguesa era muito branda a ponto de não suscitar a oposição popular, com excepção dos comunistas e de alguns socialistas»; e sobre as torturas da Pide? «... condeno-as; mas limitaram-se apenas a poucas elementos obstinados» (ver Diário de Notícias de 27 de Abril de 1975).
E ainda não nos esquecemos que esse senhor apoiou a manifestação fascista de 28 de Setembro através de um comunicado proveniente do seu gabinete e transcrito em A Capital, de 27 de Setembro de 1974, que o recebeu por intermédio do Ministério da Comunicação Social.
Nem sequer nos encontramos esclarecidos sobre a forma como esse senhor apareceu embrulhado no golpe de 11 de Março.
Srs. Deputados: Espero ter sido perfeitamente claro naquilo que expus.
Tenho dito.

Aplausos."

Extracto da sessão N. 1 de 3 de junho de 1975